domingo, 15 de março de 2015

    A minha família quase inteira é formada por gente de direita. Eu me lembro de, ainda criança, servir cervejas, whiskey e petiscos  para um notório torturador que frequentava noitadas semanais de poker em que era paparicado em troca de pequenos privilégios.
   Eu engolia a vergonha, a tristeza e a raiva, e ia calado servir o fascínora. Eu não tinha escolha. Ouvia os sussurros na escola e na vizinhança e queria sumir, morrer.
    Quando veio a abertura, todos fingiram espanto e alegaram nada saber, que nunca poderiam ter imaginado. E passaram a evitar o "amigo", não pegava bem.
   Com o passar dos anos, a minha família ainda me deu muitos motivos para me envergonhar. Machismo, homofobia, racismo, misoginia e autoritarismo ainda são coisas aceitas como corriqueiras. E eu aprendi a não me envergonhar pelos outros.
   Hoje, provavelmente, estarão todos na frente da TV, uivando impropérios contra a presidente, os olhos saltando das órbitas, a baba escorrendo pelo pescoço. Acovardados em suas salas, sem coragem de ir sacudir sua "indignação patriótica" pelas ruas.
     Tem um ótimo filme chinês na ART1, eu me acomodo no sofá para assistir. Sem vergonhas ou culpas, apenas um certo constrangimento.

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